Fonte: 7Margens. Autor: Jorge Wemans.
Além de definir o critério para fixar a data da celebração da Páscoa, em Niceia o que estava em causa era “como compaginar a afirmação de um Deus único com a existência de um Filho que também é Deus”. No ano em que as maiores igrejas cristãs celebram todas a Páscoa na mesma data e em que a 20 de maio se completam 1.700 anos sobre o início do primeiro Concílio Ecuménico, o padre Isidro Lamelas, da Ordem dos Frades Menores (Franciscanos) e especialista em estudos patrísticos, traça ao 7MARGENS o panorama dos antecedentes desse Concílio de Niceia, analisa a importância do Credo ali formulado e comenta a atualidade decisiva dos debates e decisões tomadas no ano de 325. Amanhã publicamos a segunda parte desta extensa entrevista.
7MARGENS – Quando o imperador Constantino convoca o Concílio de Niceia em 325, ele pretende favorecer uma das correntes em confronto nas comunidades cristãs, ou o seu objetivo é o de acabar com as dissensões de modo a garantir o seu lema “um Deus, um Império, um imperador, uma Igreja, uma fé”?
P. ISIDRO LAMELAS – A figura do imperador Constantino é fundamental para percebermos toda a complexidade do Concílio de Niceia. Por volta de 312, Constantino percebe que há um Deus que pode ser muito útil à unidade e à paz interior do Império, que eram as suas grandes preocupações políticas. Mas, pouco depois, apercebe-se que afinal aquele Deus único que ele pensava poder unificar e pacificar o Império, é motivo de muitas batalhas e divisões. Constantino já interviera em 314 no Ocidente por causa das divisões provocadas pelo donatismo. Agora é no Oriente que a discussão teológica salta para a rua, o que não é uma figura de estilo: salta mesmo para a rua, pois naquele tempo a teologia era uma questão pública. E o debate era este: Como é que o Deus único pode ter um filho continuando a ser um só Deus? Para alguns historiadores a questão ficou ligada a um diácono, Ário [256–336], daí falarmos de arianismo.
Na tradição de Alexandria, mesmo que não possamos falar de uma reflexão acabada sobre a Trindade, existe desde cedo uma compreensão plural de Deus: Deus é Trindade – não triteísmo, nem politeísmo –, Deus é uma relação: há um Pai que sempre foi Pai e que, portanto, sempre teve um Filho. Mesmo que não seja uma Trindade explícita, isto está muito claro desde o início do cristianismo. Jesus veio revelar-nos exatamente isso: Deus é pai. A questão agora seria de como compaginar a afirmação de um Deus único (monoteísmo que os cristãos assumiram em continuidade com o judaísmo) com a existência de um Filho que também é Deus.
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