Fonte: Diário do Minho. Autor: Luís M. Figueiredo Rodrigues
No passado dia 23 de novembro, o Papa Leão XIV publicou a Carta Apostólica In Unitate Fidei, com a qual celebra o 1700.º aniversário do Concílio de Niceia. Este Concílio, a quase mil e setecentos anos de distância, não é um exercício de arqueologia teológica reservado a especialistas. O que aí se decidiu toca o centro das perguntas humanas de hoje: quem é Jesus, que rosto tem Deus, que sentido é possível para a existência num mundo acelerado, fragmentado e desconfiado. O Credo niceno continua a ser um lugar onde a Igreja aprende a respirar num tempo em que muitos vivem em apneia espiritual.
O essencial da decisão de Niceia pode ser dito com simplicidade: em Jesus de Nazaré não se encontra apenas um grande mestre ou um profeta inspirado, mas o próprio Deus que Se envolve, sem reservas, com a condição humana. A palavra grega que marcou o concílio, homoousios (“da mesma substância” do Pai), não complicou a fé; tornou explícito que Deus não ficou à distância nem delegou a salvação a um intermediário. Em Cristo, é o próprio Deus que assume a carne, o limite, a dor e a morte.
Por isso, a fé da Igreja não é, antes de mais, uma teoria sobre o divino, mas a confiança de que o fundamento último da realidade não é um mecanismo anónimo nem um poder caprichoso. Se Cristo é verdadeiramente Deus, a fragilidade humana deixa de ser lugar de descarte e torna-se lugar de encontro. A fé nicena afirma que a história não está condenada ao ciclo eterno da força e do medo, porque Deus entrou nesse ciclo por dentro e não desistiu da humanidade.
Neste horizonte, caem muitas caricaturas correntes: a fé reduzida a moral de proibições, a espiritualidade confinada ao privado, a religião usada como fronteira identitária. O Credo é, antes, uma narrativa condensada de relação: diz de onde vem a vida, quem a acompanha e para onde pode ser conduzida. Quando a Igreja proclama “Deus de Deus, Luz da Luz”, não recita uma senha de clube fechado, mas afirma que nenhuma noite humana é absoluta.
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